Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

Maus antecedentes e período depurador

Precedente no STF sobre dosimetria

há 8 anos

Importante precedente do STF sobre dosimetria da pena: não podem ser considerados como maus antecedentes as condenações transitadas em julgado, decorridos mais de cinco anos entre o cumprimento ou extinção da pena e a infração penal posterior (HC 126.315 – julgado em 15.09.2015).

As chamadas “circunstâncias judiciais”, previstas no artigo 59 do Código Penal, conferem ao magistrado maior discricionariedade no processo de dosimetria da pena, que estabelece, nessa etapa, entre o mínimo e o máximo legal de pena privativa de liberdade abstratamente cominada, a pena-base, que é o quantum de pena sobre o qual incidirão, na segunda e terceira etapas da dosimetria, as demais circunstâncias (respectivamente, agravantes, atenuantes, causas de aumento e diminuição) – que, de sua vez, são denominadas “circunstâncias legais”.

Os antecedentes do condenado, uma das circunstâncias judiciais, sempre foram objeto de muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Afinal, o que pode ser considerado como bom ou mau antecedente?

O conceito de bons antecedentes é residual: faz jus a essa característica o individuo que não possui maus antecedentes.

Comprovada a existência de maus antecedentes, o juiz pode estabelecer a pena-base acima do limite mínimo previsto legalmente. Assim, v. G., condenado ao delito de furto qualificado (artigo 155, § 4º, CP), cuja pena mínima é dois anos, o indivíduo portador de maus antecedentes pode ter sua pena-base fixada em dois anos e seis meses, ou três anos. A quantidade numérica de pena majorada integra o juízo de discricionariedade do magistrado.

De outro lado, se o condenado nada tem a ser valorado como mau antecedente – e nenhuma outra circunstância judicial desfavorável – a pena-base deve ficar fixada no mínimo legal, uma vez que, nesse momento, não é possível que o juiz chegue a um quantum inferior ao mínimo ou superior ao máximo abstratamente previsto no preceito secundário.

Nesse passo, a celeuma doutrinária e jurisprudencial sempre esteve direcionada ao conceito de maus antecedentes. Em tal discussão, tradicionalmente são abordados o princípio da presunção de inocência e o conceito de reincidência, que é circunstância legal – agravante genérica – que não incide sobre a pena-base, mas atua na segunda etapa do sistema trifásico adotado pelo Código Penal.

O artigo 59 do Código Penal trata dos antecedentes jurídicos e especificamente criminais. Uma condenação em processo administrativo ou em uma ação de indenização civil não caracteriza antecedente como circunstância judicial.

No que tange ao fato delitivo, a intepretação do Código Penal à luz da Constituição Federal de 1988 leva à conclusão de que somente condenações criminais definitivas, com trânsito em julgado, podem ser qualificadas como maus antecedentes na fase de fixação da pena-base.

Isso porque a Carta Magna é textual ao afirmar que ninguém será considerado culpado, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Portanto, em inquéritos policiais ou mesmo nas ações penais em curso, prevalece o estado presumido de não culpabilidade ou de inocência do investigado ou réu.

Ora, se o indivíduo é presumidamente inocente com relação a um fato que ainda está sendo investigado ou pelo qual está respondendo ao devido processo penal, este fato não tem o condão de agravar sua situação em condenação por fato distinto, que sobrevém durante essa investigação ou ação penal. Somente a sentença condenatória irrecorrível é capaz de limar o estado de inocência.

Todavia, a condenação definitiva geralmente caracteriza outra circunstância, que prevalece sobre os maus antecedentes: a reincidência. Esta última é especifica para os casos em que há uma condenação definitiva anterior ao novo fato praticado pelo sujeito, pelo qual vem a ser também condenado, em momento posterior.

Dessa forma, supõe-se que um sujeito pratica o delito de furto qualificado em 2012, pelo qual é condenado e cumpre restritiva de direitos no mesmo ano. Em 2015, pratica um novo delito, que pode ou não ser da mesma espécie. Ao ser condenado por este último, é considerado reincidente, e isso não será valorado pelo juiz na delimitação da pena-base, como mau antecedente, (primeira etapa do sistema trifásico), mas na segunda fase – é reincidência, circunstância agravante genérica (art. 61, I, CP)

O que resta, pois, para os maus antecedentes, que são considerados na primeira e não na segunda etapa da dosimetria? Todas as condenações definitivas transitadas em julgado, que não caracterizam a reincidência.

Tradicionalmente, utiliza-se, como uma das possíveis formas de incremento da pena-base pelo antecedente desfavorável, a condenação definitiva que supera o período de cinco anos, contados a partir da execução da pena ou sua extinção até a data da nova infração, em razão do disposto no artigo 64, I do Código Penal, que afasta a reincidência em tal hipótese.

Esse dispositivo expressamente determina que não se consideram, para fins de reincidência, as condenações sofridas pelo acusado quando, entre a data do cumprimento da pena ou extinção de punibilidade e a data da infração posterior, decorrem mais de cinco anos.

Logo, o raciocínio é simples: essas “marcas” no passado do indivíduo devem ser utilizadas como maus antecedentes, pois são condenações definitivas que não caracterizam reincidência, mas devem ser aproveitadas em algum momento da dosimetria. Assim, o indivíduo que sofre uma condenação criminal definitiva, ou ele é reincidente, desde que não ultrapassado o limite de cinco anos, ou é portador de maus antecedentes – este último, sem prazo máximo de “validade”.

Esse entendimento, todavia, sofreu críticas e paulatinas alterações em decisões judiciais esparsas, até chegar ao Supremo Tribunal Federal, que revela agora um posicionamento contrário, contido na decisão citada inicialmente.

Os argumentos utilizados pelo relator (Ministro Gilmar Mendes) no julgamento do HC 126.315, para afastar a majoração da pena-base com fulcro em condenações que excediam o tempo referido podem ser assim sintetizados:

1. Se o período depurador de cinco anos afasta a reincidência, a condenação que excede esse período também não pode mais “influenciar no quantum de pena do réu em nenhum de seus desdobramentos”.

2. A ratio legis do artigo 64, I do Código Penal é “apagar da vida do indivíduo os erros do passado, considerando que já houve o devido cumprimento da punição”.

3. Não é admissível que “se atribua à condenação o status de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios constitucionais e legais, sobretudo o da ressocialização da pena”.

4. A Constituição Federal veda, em seu artigo , XLVII, alínea b, as penas de caráter perpétuo: “tal dispositivo suscita questão acerca da proporcionalidade da pena e de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita. Ora, a possibilidade de sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade”.

5. Se o objetivo principal do artigo 64, I do CP é “afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão deve-se aplicar tal raciocínio aos maus antecedentes”.

6. O indivíduo tem “direito ao esquecimento, ou ‘direito de ser deixado em paz’, alcunhado, no direito norte-americano de ‘the right to be let alone’.” Em matéria penal, trata-se de um “direito fundamental implícito, corolário da vedação à adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade”.

7. “O agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontra previsão na legislação, tampouco em nossa Carta Maior, tratando-se de analogia in malam partem, método de integração vedado no ordenamento jurídico”.

Quanto a este último argumento, deve-se esclarecer que não há propriamente uma analogia in malam partem. A analogia é um recurso de integração de lacunas jurídicas, utilizado para solucionar casos que carecem de devida regulação jurídica. Para isso, utiliza-se uma norma que, embora não se destine a disciplinar aquela situação específica, abrange casos muito similares.

Na hipótese em apreço, quando se agrava a pena-base por tais condenações pretéritas, considerando-as como maus antecedentes, não há a aplicação de uma norma jurídica a uma situação que ela não prevê.

O artigo 59 do Código Penal prevê a majoração da pena-base em razão de maus antecedentes. O erro do legislador é precisamente deixar de conceituar antecedentes.

De sua parte, o julgador não está aplicando outra norma a uma situação lacunosa. Ao delimitar o alcance dos antecedentes, ele está interpretando o dispositivo. Nesse contexto, trata-se de um problema de interpretação legal e não de integração do ordenamento jurídico.

Noutro viés, na decisão proferida pelo STF, utiliza-se método de integração: opta-se pela analogiaem favor do condenado, da norma prevista pelo artigo 64, I do Código Penal, para que esta seja aplicada também aos maus antecedentes, já que, em conformidade com o conteúdo literal de dita norma, essa regra se destinaria apenas a afastar a reincidência.

Por fim, o que resta para consideração dos maus antecedentes? A jurisprudência reconhece os maus antecedentes na seguinte situação: João pratica um delito de furto no dia 01.01.2016, e está respondendo por este em liberdade. No dia 05.07.2016, pratica um crime de roubo, pelo qual fica preso preventivamente. No dia 14.08.2016, sobrevém condenação pelo delito de furto praticado em primeiro lugar – aqui, evidentemente, a ação penal referente ao delito de roubo não influencia nenhuma etapa da dosimetria. Em 20.11.2016, João é também condenado pelo crime de roubo.

Nota-se que, quando o roubo é perpetrado, não há ainda condenação transitada em julgado pelo delito de furto anterior, razão pela qual deve ser afastada a figura da reincidência. Porém, no dia em que se aplica a pena pelo crime de roubo, já existe condenação transitada em julgado pelo delito de furto. Nessa situação, como esta última não pode ser considerada para reincidência, é utilizada para elevar a pena-base do roubo pelo mau antecedente.

Outra situação pacífica na jurisprudência é a coexistência de duas ou mais condenações anteriores e transitadas em julgado, desde que não tenham ultrapassado o período depurador de cinco anos, no momento em que se pratica uma nova infração penal. Por exemplo: José, condenado em definitivo por um crime de furto e um de homicídio culposo, comete um novo delito – latrocínio. Nesse caso, ao aplicar a pena, o juiz pode considerar uma das condenações como mau antecedente, agravando a pena-base, e a outra como reincidência – agravante genérica de segunda etapa.

Além disso, se o indivíduo é condenado pela prática de uma contravenção penal e, posteriormente, por um crime propriamente dito, aquela condenação, em razão de uma lacuna legislativa, não consubstancia reincidência, mas pode ser utilizada como mau antecedente.

http://www.professorregisprado.com/

  • Publicações10
  • Seguidores29
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações7712
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/maus-antecedentes-e-periodo-depurador/327393253

Informações relacionadas

Tomás Tenorio, Advogado
Artigoshá 6 anos

Sursis e Livramento Condicional

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 2 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC XXXXX SP XXXX/XXXXX-9

Achley Wzorek, Advogado
Artigoshá 4 anos

Nova decisão do STF sobre maus antecedentes e a consolidação do sistema da perpetuidade.

Ana Carolina Robles Thomé, Juiz de Direito
Artigoshá 4 anos

Conceito de reincidência penal e critérios para sua verificação

Afonso Maia, Advogado
Artigoshá 8 anos

Reincidência e maus antecedentes são a mesma coisa?

2 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Por que o furto não é considerado reincidência nesse caso se já transitou em julgado? "Nota-se que, quando o roubo é perpetrado, não há ainda condenação transitada em julgado pelo delito de furto anterior, razão pela qual deve ser afastada a figura da reincidência. Porém, no dia em que se aplica a pena pelo crime de roubo, já existe condenação transitada em julgado pelo delito de furto. Nessa situação, como esta última não pode ser considerada para reincidência, é utilizada para elevar a pena-base do roubo pelo mau antecedente." continuar lendo

Porque na data do cometimento do roubo ainda não havia condenação transitada em julgado, apenas o processo pelo delito de furto em curso. O trânsito em julgado da sentença de furto é em data posterior ao crime de roubo. continuar lendo